Variedade dos Efeitos do Amor
Nascemos para amar; a humanidade
Vai tarde ou cedo aos laços da ternura:
Tu és doce atractivo, ó formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade:
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão n'alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade:
Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas:
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre;
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.
Soneto IX
Arrreitada donzela em fofo leito
Deixando erguer a virginal camisa,
Sobre as roliças coxas se divisa
Entre sombras subtis pachocho estreito:
De louro pêlo um círculo imperfeito
Os papudos beicinhos lhe matiza;
E a branca crica, nacarada e lisa,
Em pingos verte alvo licor desfeito:
A voraz porra as guelras encrespando
Arruma a focinheira, e entre gemidos
A moça treme, os olhos requebrando:
Como é ainda boçal perde os sentidos;
Porém vai com tal ânsia trabalhando,
Que os homens é que vêm a ser fodid*s.
Vendo-se Exposto a Tribulações Imerecidas
Não sou vil delator, vil assassino,
Ímpio, cruel, sacrílego, blasfemo;
Um Deus adoro, a eternidade temo,
Conheço que há vontade, e não destino:
Ao saber, e à virtude a fronte inclino;
Se chora e geme o triste, eu choro, eu gemo;
Chamo à beneficência um dom supremo;
Julgo a doce amizade um bem divino:
Amo a pátria, amo as leis, precisos laços
Que mantêm dos imortais a convivência,
E de infames grilhões ouço ameaços!
Vejo-me exposto à rígida violência,
Mas folgo, e canto, e durmo nos teus braços,
Amiga da Razão, pura Inocência.
Soneto XIII
É pau, e rei dos paus, não marmeleiro,
Bem que duas gamboas lhe rodrigo;
Dá leite, sem ser árvore de figo,
Da glande o fruto tem, sem ser sobreiro:
Verga, e não quebra, como o zambujeiro;
Oco, qual sabugueiro, tem o umbigo;
Brando às vezes, qual vime, está consigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:
À roda da raiz produz carqueja;
Todo o resto do tronco é calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-santo mais negreja!
Para carvalho ser falta-lhe um u;
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar meta-o no cu.
(Poesia Eróticas, Burlescas e Satíricas)
Retrato Próprio
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades:
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
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