A Lógica da Eutanásia
Poderíamos começar pelo culto do corpo. Os modelos estão espalhados pelos grandes cartazes de cidade, pelas inebriantes páginas dos jornais e revistas e pela sequência interminável de hinos televisivos ao estado físico perfeito que envolve os trajes, os perfumes, os automóveis… O homem e a mulher em estado de perfeição desafiam todos os medíocres do mundo a copiarem o seu ar, a sua forma, o seu andar, o seu perfil, a sua elegância e juventude. Nada disto se exprime directamente. Mas subjaze a todo o discurso acerca do protótipo humano.
Depois vem o trabalho, a tecnologia, a concepção de rentabilidade, o triunfo dos mais fortes, a concorrência e a agressividade do mercado. Cada vez se inventa mais prateleiras para arrumar velhos prematuros, inadaptados aos novos circuitos. A reforma é, quantas vezes um subterfúgio para limpeza étnica de quarentões, para os retirar das vitrinas de gala e dos grandes mostruários humanos e empresariais. Acresce a rapidíssima desactualização de quem pára por um momento sequer. Se tem uma gripe mais forte e uma interrupção forçada, quando tenta regressar já tem o seu lugar ocupado e as linguagens alteradas de tal forma que nada entende sem uma reciclagem de urgência.
Se recuarmos às sociedades rurais ou tribais, vamos encontrar o velho ancião como o primeiro da comunidade. A sua sabedoria acumulada e a sua autoridade encanecida harmonizam as crianças e os jovens. O conselho dos mais velhos é uma peça fundamental no tecer da tradição das comunidades e da continuidade das linhas vitais dum povo. Não importa, de todo, enaltecer os velhos e denegrir os jovens. Mas temos de estar atentos a um certo movimento de aceleração do tempo aplicado às pessoas, de tal forma que, caído o verniz da juventude, rapidamente se decreta falência forçada e renuncia à própria vida. Como se a perda da juventude fosse um imperativo de “desligar a máquina”. Uma espécie de eutanásia de conveniência…
Não terá sido esta, a lógica que imperou num recente clamor mediático a exigir a renúncia de João Paulo II? Como se não estivessem accionados todos os mecanismos canónicos que aconselham, se necessário, o fim de uma missão, mesmo do Papa…
Padre António Rego
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