19 julho 2012

A vida toda numa mão


“A vida toda cabe na tua mão” – disse-me um amigo, referindo-se ao que ouvira dizer um sacerdote de quem muito gostamos. Então mostrou-me dedo por dedo, começando no mindinho, que havia espaço para a infância, para a juventude, para a idade adulta, para a meia-idade e para a velhice. Acrescentou que, enquanto as idades mais próximas têm maior dificuldade em relacionar-se entre si (como os dedos anelar e médio), a velhice (representada no polegar) tem fácil relação com todas. Discordei deste privilégio do idoso na relação, creio  que qualquer idade terá muito a partilhar com as outras!
Pus-me a pensar que, embora não tendo já passado por todas as etapas da vida, de certo modo as trago todas dentro de mim também representadas, nem que unicamente na antecipação do que desejo ou receio que sejam, ou na lembrança reconstruida das que já vivi, e que esse diálogo entre fases de vida dentro de nós é que nem sempre é fácil. No fundo, trata-se de pôr a vida em perspectiva e ver que sentido damos ao tempo e às tarefas de existência que há a cumprir no momento presente.
Se repararem, as idades da vida vão-nos acontecendo sem darmos grande conta disso e os tempos exteriores e interiores nem sempre vão a par. Acho sempre ternurento ouvir um idoso de 70 anos referir-se a um amigo como “um rapaz da minha idade”, ou ouvir conselhos tão responsáveis da boca de uma criança que nem um adulto conseguiria proferir tão acertadamente.
Quando apostamos no diálogo e na partilha entre pessoas de gerações diferentes, seja na família, seja noutros contextos propiciadores da intergeracionalidade, não estamos apenas a proporcionar partilha entre pessoas, mas a suscitar no nosso íntimo um diálogo entre todas essas dimensões mais infantis, adolescentes, adultas, maduras ou idosas que temos em nós. Diz o senso comum que em cada um de nós há sempre uma criança, mas porque não vermos cá dentro todas as idades?!
Se soubermos lidar com todas essas antecipações e lembranças, com as experiências que já tivemos com crianças, jovens, adultos e idosos que foram relevantes para nós, de facto o convívio com pessoas de todas as idades vai deixar a nossa vida mais rica e teremos, não a vida na mão, mas uma mão cheia de vida.

Ana Sofia Medina, Almanaque de Santa Zita 2012

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