“A vida toda cabe na tua mão” – disse-me um amigo,
referindo-se ao que ouvira dizer um sacerdote de quem muito gostamos. Então
mostrou-me dedo por dedo, começando no mindinho, que havia espaço para a
infância, para a juventude, para a idade adulta, para a meia-idade e para a
velhice. Acrescentou que, enquanto as idades mais próximas têm maior
dificuldade em relacionar-se entre si (como os dedos anelar e médio), a velhice
(representada no polegar) tem fácil relação com todas. Discordei deste
privilégio do idoso na relação, creio
que qualquer idade terá muito a partilhar com as outras!
Pus-me a pensar que, embora não tendo já passado por todas
as etapas da vida, de certo modo as trago todas dentro de mim também
representadas, nem que unicamente na antecipação do que desejo ou receio que
sejam, ou na lembrança reconstruida das que já vivi, e que esse diálogo entre
fases de vida dentro de nós é que nem sempre é fácil. No fundo, trata-se de pôr
a vida em perspectiva e ver que sentido damos ao tempo e às tarefas de existência
que há a cumprir no momento presente.
Se repararem, as idades da vida vão-nos acontecendo sem
darmos grande conta disso e os tempos exteriores e interiores nem sempre vão a
par. Acho sempre ternurento ouvir um idoso de 70 anos referir-se a um amigo como
“um rapaz da minha idade”, ou ouvir conselhos tão responsáveis da boca de uma
criança que nem um adulto conseguiria proferir tão acertadamente.
Quando apostamos no diálogo e na partilha entre pessoas de
gerações diferentes, seja na família, seja noutros contextos propiciadores da
intergeracionalidade, não estamos apenas a proporcionar partilha entre pessoas,
mas a suscitar no nosso íntimo um diálogo entre todas essas dimensões mais
infantis, adolescentes, adultas, maduras ou idosas que temos em nós. Diz o
senso comum que em cada um de nós há sempre uma criança, mas porque não vermos
cá dentro todas as idades?!
Se soubermos lidar com todas essas antecipações e
lembranças, com as experiências que já tivemos com crianças, jovens, adultos e
idosos que foram relevantes para nós, de facto o convívio com pessoas de todas
as idades vai deixar a nossa vida mais rica e teremos, não a vida na mão, mas
uma mão cheia de vida.
Ana Sofia Medina, Almanaque de Santa Zita 2012
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