12 março 2011

Conto XXIV

Cinzas

Tempo da Quaresma

Cinzas. Evocação do barro inicial e da fragilidade, sinal de miséria e grandeza deste homem que sonha ser melhor.
A cinza que aduba a terra e branqueia a roupa das lavadeiras desperta-me do torpor rotineiro dos dias e aponta o caminho humilde do essencial.
É o sopro do Espírito que anima o barro moldado, e me ergue nestes passos vacilantes e inquietos de quem reaprende a fidelidade após a queda.
Quantas vezes quase morri no deserto de sede mesmo à beirinha da fonte e de fome perto da mesa, cego por não acreditar nas estrelas, de solidão por não dar nem receber um abraço!
Descubro por entre as ruínas um amor que não se gasta e uma palavra que salva o que estava perdido.
Posso escutá-la nos montes e desejar ali ficar para sempre mas sou convidado a descer a planície onde ela se faz vida.
Apresento-me de mãos vazias como uma arvore sem frutos mas há quem cave a terra e a adube com esperança.
Na humildade do pai aprendo a ser filho, muito além da miséria ou do orgulho em que me fecho nada o pode impedir de vir ao meu encontro.
Sinto o amor que não condena, mais forte que as pedras da lei, e da minha fragilidade de filha, irmã e mulher me erguem, com palavras que têm sabor de paraíso.
Das cinzas toda a recriação é possível, quando confio na mão que segura a minha, nos olhos que iluminam os meus, na palavra que tem sabor de princípio e diz: “faça-se”, no amor que vence o impossível!

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