V Domingo da Páscoa
Quando Judas saiu do cenáculo, disse Jesus aos seus
discípulos: «Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus glorificado n’Ele.
Se Deus foi glorificado n’Ele, Deus também O glorificará em Si mesmo e
glorificá-l’O-á sem demora.
Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco.
Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros.
Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que
sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros».
(Jo 13, 31-33a. 34-35)
Como bem sabemos, as Sagradas Escrituras constituem o
testemunho escrito da Palavra divina, o memorial canónico que corrobora o
acontecimento da Revelação. Por conseguinte, a Palavra de Deus precede e excede
a Bíblia. É por este motivo que a nossa fé não tem no centro unicamente um
livro, mas uma história de salvação e sobretudo uma Pessoa, Jesus Cristo,
Palavra de Deus que se fez carne. Precisamente porque o horizonte da Palavra
divina abrange e se estende para além da Escritura, para a compreender de
maneira adequada é necessária a presença constante do Espírito Santo, que
«ensina toda a verdade» (Jo 16, 13). É preciso inserir-se na corrente da
grandiosa Tradição que, com a assistência do Espírito Santo e a orientação do
Magistério, reconheceu os escritos canónicos como Palavra dirigida por Deus ao
seu povo e jamais cessou de os meditar e descobrir as suas riquezas
inesgotáveis. O Concílio Vaticano II reiterou-o com grande clarividência na
Constituição dogmática Dei Verbum: «Tudo quando diz respeito à interpretação da
Escritura está sujeito ao juízo último da Igreja que tem o mandato divino e o ministério de guardar e
interpretar a palavra de Deus» (n.12). Como nos recorda ainda a mencionada
Constituição conciliar, existe uma unidade inseparável entre Sagrada Escritura
e Tradição, porque ambas derivam de uma mesma fonte: «A sagrada Tradição,
portanto, e a Sagrada Escritura estão intimamente unidas e compenetradas entre
si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, formam como que uma só
realidade e tendem para o mesmo fim. A Sagrada Escritura é a palavra de Deus,
enquanto foi escrita por inspiração do Espírito Santo; a sagrada Tradição, por
sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos, para que eles,
com a luz do Espírito de verdade, a conservem, exponham e difundam fielmente na
sua pregação; daqui resulta, assim, que a Igreja não haure só da Sagrada
Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas. Por isso,
ambas devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e
reverência» (Ibid, n.9). Portanto, o exegeta deve estar atento a sentir a
Palavra de Deus presente nos textos bíblicos, situando-nos no interior da
própria fé da Igreja. A interpretação das Sagradas Escrituras não pode ser
unicamente um esforço cientifico individual, mas deve ser sempre confrontada,
inserida e corroborada pela tradição viva a Igreja. Esta norma é decisiva para
esclarecer a relação correcta e recíproca entre a exegese e o Magistério da
Igreja. Os textos inspirados por Deus foram confiados à Comunidade dos fiéis, à
Igreja de Cristo, para alimentar a fé e orientar a vida de caridade. O respeito
por esta natureza profunda das Escrituras condiciona a própria validade e a
eficácia da hermenêutica bíblica. Isto comporta a insuficiência de qualquer
interpretação subjectiva ou simplesmente limitada e uma análise incapaz de
abranger em si aquele sentido global que, ao longo dos séculos, constitui a
Tradição de todo o Povo de Deus, que «in credendo falli nequit» (Conc. Ecum.
Vat. Ii, Const. Dogm. Lumen gentium, 12)
(do discurso de Sua Santidade Papa Francisco à Pontifícia
Comissão Bíblica)
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