XX Domingo do Tempo Comum
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Eu vim
trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda? Tenho de receber
um batismo e estou ansioso até que ele se realize. Pensais que Eu vim
estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão. A partir
de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra
três. Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe
contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a
sogra».
(Lc 12, 49-53)
No vasto campo das migrações, a solicitude materna da Igreja
estende-se em diversas direcções. Por um lado a sua solicitude contempla as
migrações sob o perfil dominante da pobreza e do sofrimento que muitas vezes
produz dramas e tragédias, intervindo lá com acções concretas de socorro que
visam resolver as numerosas emergências, graças à generosa dedicação de indivíduos
e de grupos, associações de voluntariado e movimentos, organismos paroquiais e
diocesanos, em colaboração com todas as pessoas de boa vontade. E, por outro, a
Igreja não deixa de evidenciar também os aspectos positivos, as potencialidades
de bem e os recursos de que as migrações são portadoras; e, nesta direcção,
ganham corpo as intervenções de acolhimento que favorecem e acompanham uma
inserção integral dos migrantes, requerentes de asilo e refugiados no novo
contexto sociocultural, sem descuidar a dimensão religiosa, essencial para a
vida de cada pessoa. Ora a Igreja, pela própria missão que lhe foi confiada por
Cristo, é chamada a prestar particular atenção e solicitude precisamente a esta
dimensão: ela constitui o seu dever mais importante e específico. Visto que os fiéis
cristãos provêm das várias partes do mundo, a solicitude pela dimensão
religiosa engloba também o diálogo ecuménico e a atenção às novas comunidades;
ao passo que, para os fiéis católicos, se traduz, entre outras coisas, na
criação de novas estruturas pastorais e na valorização dos diversos ritos, até
se chegar à plena participação na vida da comunidade eclesial local.
Entretanto, a promoção humana caminha lado a lado com a comunhão espiritual,
que abre os caminhos «a uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único
Salvador do mundo» (Carta ap. Porta fidei, 6). É sempre um dom precioso tudo aquilo
que a Igreja proporciona visando conduzir ao encontro de Cristo, que abre para
uma esperança sólida e credível. A Igreja e as diversas realidades que nela se
inspiram são chamadas a evitar o risco do mero assistencialismo na sua relação
com os migrantes e refugiados, procurando favorecer a autêntica integração numa
sociedade onde todos sejam membros ativos e responsáveis pelo bem-estar do
outro, prestando generosamente as suas contribuições originais, com pleno
direito de cidadania e participação nos mesmos direitos e deveres. Aqueles que
emigram trazem consigo sentimentos de confiança e de esperança que animam e
alentam a procura de melhores oportunidades de vida; mas eles não procuram
apenas a melhoria da sua condição económica, social ou politica. É verdade que
a viagem migratória muitas vezes inicia com o medo, sobretudo quando
perseguições e violências obrigam a fugir, com o trauma de abandonar os
familiares e os bens que, em certa medida, asseguravam a sobrevivência; e,
todavia, o sofrimento, as enormes perdas e às vezes um sentido de alienação
diante do futuro incerto não destroem o sonho de reconstruir, com esperança e
coragem, a vida num país estrangeiro. Na verdade, aqueles que emigram nutrem a
confiança de encontrar acolhimento, obter ajuda solidária e entrar em contacto
com pessoas que, compreendendo as contrariedades e a tragédia dos seus
semelhantes e também reconhecendo os valores e recursos de que eles são
portadores, estejam dispostas a compartilhar humanidade e bens materiais com
quem é necessitado e desfavorecido. Na realidade, é preciso reafirmar que «a
solidariedade universal é para nós um facto e um benefício, mas também um
dever» (Enc. Caritas in veritate, 43). E assim, a par das dificuldades, os
migrantes e refugiados podem experimentar também relações novas e hospitaleiras
que o encorajem a contribuir para o bem-estar dos países de chegada com suas
competências profissionais, o seu património sociocultural e também com o seu
testemunho de fé, que muitas vezes dá impulso às comunidades de antiga tradição
cristã, encoraja a encontrar Cristo e convida a conhecer a Igreja.
(mensagem do Papa Emérito Bento XVI para o Dia Mundial do
Migrante e do Refugiado 2013)
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